Olga fez parte do grupo de estrangeiros destacados para acompanhar Prestes em seu retorno ao Brasil. Prestes deveria liderar uma insurreição armada que instalasse um governo revolucionário.
Em novembro de 1935, um levante armado aconteceu na cidade de Natal, e Prestes ordenou que a insurreição fosse estendida ao resto do país. O apoio militar prometido a Prestes não foi concretizado. Apenas algumas unidades de Recife e do Rio de Janeiro se levantaram contra o governo brasileiro, que rapidamente controlou a situação, reprimiu e prendeu oposicionistas e revolucionários.
Durante alguns meses, Olga e Prestes mantiveram-se na clandestinidade, até que, em março de 1936, foram capturados pela polícia. Mesmo grávida, Olga foi deportada para a Alemanha nazista seis meses depois. Entregue à Gestapo (polícia política alemã), Olga foi enviada para um campo de concentração, onde deu à luz Anita Leocádia Prestes.
Após campanha internacional por sua libertação, Anita foi entregue a sua avó paterna. Olga Benário continuou presa e, em 1942, morreu executada na câmara de gás pelos nazistas.
filha de Luis Carlos prestes e Olga Bernario Prestes
Olga Benario Prestes nasceu em Munique (Alemanha) a 12 de fevereiro de 1908. Aos quinze anos de idade, sensibilizada pelos graves problemas sociais presentes na Alemanha dos anos de 1920, Olga viria a aproximar-se da Juventude Comunista, organização política em que passaria a militar ativamente. Aos 16 anos, apaixonada pelo jovem dirigente comunista Otto Braum, Olga sai da casa paterna e junto com o companheiro viaja para Berlim, onde ambos irão desenvolver intensa atividade política no bairro operário de Neukölln. Embora vivendo com nomes falsos, na clandestinidade, Olga e Otto acabam sendo presos em outubro de 1926. Ainda que Olga tenha ficado detida apenas dois meses, Otto permaneceu preso, acusado de “alta traição à pátria”. Em abril de 1928, Olga, à frente de um grupo de jovens comunistas, lidera assalto à prisão de Moabit para libertar Otto. A ação foi coroada de êxito total, pois além de o prisioneiro ter escapado da prisão de “segurança máxima”, Olga e seus camaradas conseguiram fugir incólumes. A cabeça de Olga é posta a prêmio pelas autoridades alemãs.
Por decisão do Partido Comunista, Olga e Otto viajaram clandestinamente para Moscou, onde a jovem comunista de apenas 20 anos se torna dirigente destacada da Internacional Comunista da Juventude. No final de 1934, já separada de Otto, Olga recebe a tarefa da Internacional Comunista de acompanhar Luiz Carlos Prestes em sua viagem de volta ao Brasil, zelando pela sua segurança, uma vez que o governo Vargas decretara sua prisão. Prestes e Olga partiram de Moscou no final de dezembro de 1934, viajando com passaportes falsos, como marido e mulher, apesar de estarem se conhecendo naqueles dias. Durante a longa e acidentada viagem rumo ao Brasil, os dois se apaixonam, tornando-se efetivamente marido e mulher.
Em março de 1935, Prestes é aclamado, no Rio de Janeiro, presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma ampla frente única, cujo programa visava a luta contra o imperialismo, o latifúndio e a ameaça fascista, que pairava sobre o mundo e também sobre o Brasil. Prestes e Olga chegam ao Brasil em abril desse ano, passando a viver clandestinamente na cidade do Rio de Janeiro. O “Cavaleiro da Esperança” torna-se a principal liderança do movimento antifascista no Brasil e, assessorado o tempo todo por Olga, participa da preparação da insurreição armada contra o governo Vargas, a qual deveria estabelecer no país um governo Popular Nacional Revolucionário, representativo das forças sociais e políticas agrupadas na ANL.
Com o insucesso dos levantes de novembro de 1935, desencadeia-se violenta repressão policial contra os comunistas e seus aliados. Em 5 de março de 1936, Prestes e Olga são presos no subúrbio carioca do Méier por ordem do famigerado capitão Filinto Muller, então chefe de polícia do governo Vargas. A ordem expedida aos agentes policiais era clara – a liquidação física de Luiz Carlos Prestes. No momento da prisão, Olga salvou-lhe a vida, interpondo-se entre ele e os policiais, impedindo o assassinato do líder revolucionário. Uma vez localizados e presos, Prestes e Olga foram violentamente separados. Ele, conduzido para o antigo quartel da Polícia Especial, no morro de Santo Antônio, no centro do Rio. Olga, após uma breve passagem pela Polícia Central, foi levada para a Casa de Detenção, situada então à rua Frei Caneca, onde ficou detida junto às demais companheiras que haviam participado do movimento da ANL.
Prestes e Olga nunca mais se veriam. Em setembro de 1936, Olga, grávida de sete meses, era extraditada para a Alemanha hitlerista pelo governo de Getúlio Vargas. Junto com Elise Ewert, outra comunista e internacionalista alemã que participara da luta antifascista no Brasil, foi embarcada à força, na calada da noite, no navio cargueiro alemão “La Coruña”, viajando ilegalmente, sem culpa formada, sem julgamento nem defesa. O comandante do navio recebeu ordens expressas de cônsul alemão no Brasil para dirigir-se direto a Hamburgo, sem parar em nenhum outro porto estrangeiro, pois havia precedentes de os portuários franceses e espanhóis resgatarem prisioneiros deportados para a Alemanha, quando tais navios aportavam à Espanha ou à França. Após longa e pesada travessia, as duas prisioneiras foram conduzidas incomunicáveis para a prisão de mulheres de Barnimstrasse, em Berlim, onde Olga deu à luz sua fi lha Anita Leocadia, em novembro de 1936.
Numa exígua cela dessa prisão, submetida a regime de rigoroso isolamento, Olga conseguiu criar a filha até a idade de 14 meses, graças à ajuda, em alimentos, roupas e dinheiro, que recebeu da mãe e da irmã de Prestes. Ambas se encontravam em Paris dirigindo a campanha internacional de solidariedade aos presos políticos no Brasil. Com a deportação de Olga, a campanha se ampliara em defesa da esposa de Prestes e de sua filha. Várias delegações estrangeiras foram à Alemanha pressionar a Gestapo, obtendo afinal a entrega da criança à avó paterna – Leocádia Prestes, mulher valente e decidida, a quem o grande poeta chileno Pablo Neruda dedicou o poema Dura Elegia, que se inicia com o verso : “Señora, hiciste grande, más grande, a nuestra América...”
Assassinada numa câmara de gás
A campanha internacional, que atingiu vários continentes, não conseguiu, contudo, a libertação de Olga. Logo depois ela seria transferida para a prisão de Lichtenburg, situada a cem quilômetros ao sul de Berlim. Um ano mais tarde, Olga era confinada no campo de concentração de Ravensbruck, onde juntamente com milhares de outras prisioneiras seria submetida a trabalhos forçados para a indústria de guerra da Alemanha nazista. A situação de Olga seria particularmente penosa, pois carregava consigo duas pechas consideradas fatais – a de comunista e a de judia. Em abril de 1942, Olga era transferida, numa leva de prisioneiras marcadas para morrer, para o campo de concentração de Bernburg, onde seria assassinada numa câmara de gás.
Olga, segundo os depoimentos de todos que a conheceram e conviveram com ela, nunca vacilou diante das grandes provações que teve que enfrentar. Até o último dia de sua trágica existência, manteve-se firme perante o inimigo e solidária com as companheiras. Ao despedir-se do marido e da fi lha, antes de ser levada para a morte, escreveu: ”Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo”; “até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver”.
A vida e a luta de uma revolucionária como Olga, comunista e internacionalista, não foi em vão; seu heroísmo serve de exemplo e de inspiração para os jovens de hoje.
Anita Leocádia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e Presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.
Artigo publicado originalmente na edição 414 do Brasil de Fato.
http://www.brasildefato.com.br/node/5617
Leocádia Prestes, mulher valente e decidida, a quem o grande poeta chileno Pablo Neruda dedicou o poema Dura Elegia, que se inicia com o verso : “Señora, hiciste grande, más grande, a nuestra América...”
Dura Elegia
Senhora,
fizeste grande, tão grande, a nossa América.
Deste-lhe
um puro rio, de águas colossais:
deste-lhe
uma árvore alta de infinitas raízes:
um
filho teu digno de sua pátria profunda.
Todos
nós fizemos dele querido junto a essas orgulhosas
flores
que cobrirão a terra em que descansas,
todos
ficaríamos felizes que viessem do fundo
da
América, através das selvas e do deserto,
para
que assim acariciarem tua fase cansada
sua
nobre mão cheia de louros e despedidas.
Porém
outros vieram pelo tempo e pela terra,
senhora,
e te acompanha neste adeus amargo
para
aquele que negou a boca de seu filho
e a
ele o inflamado coração que guardavas.
Para
tua sede negaram a água que criaste.
O
manancial remoto de sua boca afastarão.
E não
servem as lágrimas nesta pedra quebrada
em
que dorme uma mãe de fogo e de cravos.
Sombras
da América, heróis coroados de fúria,
de
neve, sangue, mar, tempestade e pombos,
aqui:
vem a fundo que esta mãe em seus olhos
guardava
para o claro capitão que esperamos:
heróis
vivos e mortos de nossa grande bandeira:
O’Higgins,
Juarez, Cárdenas, Recabarren,
Bolívar,
Martí,
Miranda, Artigas,
Sucre, Hidalgo, Morelos,
Belgrano, San
Martin, Lincoln, Carrera, todos,
venham,
encher o vazio de nosso grande irmão
e que
Luiz Carlos Prestes sinta em sua cela o ar,
as
asas torrenciais dos pais da América.
A
casa do tirano tem hoje uma presença
grave
como um imenso anjo de pedra,
a
casa do tirano tem hoje uma visita
dolorosa
e dormida como uma lua eterna,
uma
mãe aos prantos, de vingança, de flores,
uma
mãe de luto, de bronze, de vitória,
olhará
eternamente os olhos do tirano,
até
enterrar neles nosso luto mortal.
Senhora,
hoje herdamos tua luta e tua dor.
Herdamos
teu sangue que não teve descanso.
Juramos
à terra que te recebe agora
não
dormir nem sonhar até a volta de teu filho.
E
como em teu colo sua cabeça faltava
também
nos falta o ar que seu peito respira
nos
faz falta o céu que sua mão mostrava.
Juramos
continuar as detidas veias,
as
detidas chamas que em tua dor cresciam.
Juramos
que as pedras que virão a deter-te
vão a
escutar os passos do herói que retorna.
Não
tem prisão para Prestes que esconda seu diamante,
o
pequeno tirano quer ocultar o fogo
com
suas pequenas asas de morcego frio
e se
envolve no impulso silêncio da ratazana
que
furta nos corredores do palácio noturno.
Porém
como uma brasa acesa incandescente
através
das barras de ferro em cinzas
a luz
do coração de Prestes sobressai.
Como
nas grandes minas do Brasil a esmeralda,
e
como em nossos bosques de índole poderosa
sobressai
uma estátua de estrelas e folhagem,
uma
árvore das terras sedentas do Brasil.
Senhora,
fizeste grande, tão grande, a nossa América,
e teu
filho algemado combate junto a nós,
a
nosso lado, cheio de luz e de grandeza.
Nada
pode o silêncio da aranha implacável
contra
a tempestade que desde hoje herdamos.
Nada
podem os lentos martírios deste tempo
contra
seu coração de madeira invencível.
O
chicote e a espada que tuas mãos de mãe
passarão
pela terra como um sol justiceiro
iluminado
as mãos que hoje te cobrem de terra.
O que
feriu teus cabelos trocaremos amanhã,
Amanhã
romperemos o doloroso espinho.
Amanhã
inundaremos de luz o tenebroso
cárcere
que há na terra.
Amanhã
venceremos
e
nosso Capitão estará junto a nós.
Pablo
Neruda